3 de nov. de 2009

Artigo

Copa do Mundo, planejamento e fiscalização

Silvio Torres (*)

A captação pelo Brasil dos dois maiores eventos da indústria mundial do entretenimento -a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos- representa a conquista de uma importante ferramenta de desenvolvimento socioeconômico, na medida em que hospedar grandes festivais possibilita a captação de maiores fluxos turísticos internacionais, a internalização de dinheiro novo, a geração de emprego, a realização de indispensáveis obras de infraestrutura.


Trata-se de um grande legado em benefício dos diversos segmentos que conformam a sociedade nacional. Ao longo dos próximos sete anos, os três níveis de governo diretamente comprometidos com a organização da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016 desembolsarão na organização das duas competições volumes bilionários de recursos da sociedade.


O montante é estimado, hoje, em R$ 130 bilhões -um dinheiro que será empregado, por exemplo, em transporte rodoviário, metroviário e ferroviário, mobilidade urbana, saneamento básico, logística e infraestrutura aeroportuária. Atender essas necessidades, abrangentes em excesso, requer, obrigatoriamente, planejamento. A curto, médio e longo prazos.

Hábito que o governo federal, em relação à Copa do Mundo, desprezou.
E isso apesar de tempo ter-lhe sido oferecido. Afinal, quando a Fifa estabeleceu o sistema de rodízio para garantir a realização da Copa nos continentes africano e sul-americano, a vitória da candidatura brasileira estava assegurada. Em vez, no entanto, de utilizar o confortável lapso de tempo para elaborar um projeto capaz de garantir uma organização semelhante à dos Jogos Olímpicos de Londres -que em maio estava com nove semanas e meia de adiantamento em relação ao cronograma de trabalho-, os responsáveis pela Copa de 2014 descuidaram dessa obrigação.

A inação gerou o preocupante sentimento de que a organização da Copa do Mundo de 2014 se espelharia na triste herança dos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro. Uma história que está, ainda, a ser investigada pelo Tribunal de Contas da União. E que, pelo desperdício de dinheiro público que a caracterizou, não pode repetir-se.


Por isso, a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados deu à luz a Subcomissão da Copa de 2014. A subcomissão recebeu a singela tarefa de garantir que as despesas do governo sejam pautadas pelos comandos legais que regulam licitações e contratos da administração pública, para assegurar que a utilização do dinheiro do contribuinte ocorra de forma transparente.


Entre a instalação da subcomissão e o momento, ficou evidente que, em virtude de ter sido transferida ao governo federal a responsabilidade de viabilizar a esmagadora maioria das obras do mundial no Brasil, inclusive a construção e a reforma dos estádios, impunha-se promover uma fiscalização preventiva. Crença que não poderia se restringir ao mero discurso de boas intenções.


Assim, para dar-lhe vida, a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle propôs a criação de uma rede de fiscalização inédita. Integrada pelo Tribunal de Contas da União e pelos tribunais de contas dos Estados e das cidades-sede, a rede nasceu não apenas para fiscalizar e controlar os gastos públicos mas também para assegurar à sociedade o direito de conhecer como será gasto o seu dinheiro.


Isso poderá ser feito a partir de dezembro, quando será implantado, na internet, um portal que dará publicidade aos contratos, à execução físico-financeira e aos relatórios dos fiscais dos contratos e dos convênios. Como a cultura da fiscalização e do controle dos gastos públicos causa desagrado aos que são objeto das ações dos entes responsáveis por resguardar as despesas públicas, que engendram subterfúgios para fugir às suas responsabilidades, os integrantes da rede concluíram pela necessidade de submeter os organizadores dos eventos à obrigatoriedade de dar publicidade, por intermédio do portal, a todas as informações, todos os dados e documentos relativos à execução das ações sob sua responsabilidade.
Sob pena, em caso de descumprimento, de interrupção sumária da liberação de recursos. Sejam eles da União ou do BNDES.

Ante a inexistência de um mandato com essa abrangência, apresentei, no dia 21 de outubro, projeto de lei com tal finalidade. O que, naturais e esperadas reações à parte, em nada comprometerá a organização da Copa do Mundo e da Olimpíada.
Mas que, em vigor, evitará que os responsáveis pela preservação dos recursos da sociedade tenham que, uma vez contabilizado o prejuízo, empenhar-se em uma inútil cruzada de sucesso impossível.

(*) Sílvio Torres é deputado federal pelo PSDB-SP e presidente da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados. Artigo publicado na Folha de S. Paulo no último dia 1º/11. (Foto: Du Lacerda)

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