O hóspede espaçoso e a embaixada em risco
*Antonio Carlos Pannunzio
Quando o governante de um país é deposto pela força das armas, não é incomum que aqueles que integravam suas instâncias mais elevadas e seus partidários mais notórios busquem refúgio numa embaixada. Acolhidos, lá permanecem à espera de uma solução que lhes permita deixar o país em segurança.
Ocorrido o golpe de 1964, a embaixada da Iugoslávia, uma das poucas que à época já haviam se instalado em Brasília, abrigou dezenas de personalidades do governo João Goulart e outras lideranças de esquerda, até que o destino de cada uma delas face à nova situação se decidisse.
Anos mais tarde, a derrubada do governo de Salvador Allende, no Chile, igualmente forçaria brasileiros a buscarem refúgio em embaixadas de Santiago, até que pudessem deixar o país andino sem sofrerem represálias da polícia do general Pinochet.
Em nenhum desses parâmetros se encaixa a situação instaurada na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, desde que nela solicitou hospedagem o presidente Manoel Zelaya. Aquela instalação diplomática, considerada parte do território brasileiro, foi alvo de ataques indiretos, inclusive do corte de energia elétrica, do fornecimento de água e de linhas telefônicas, fatos incomuns em episódios dessa natureza.
Nada justifica tais procedimentos, mas é possível entendê-los se levamos em conta a situação incomum do acolhido e a desinibição com que ali vem se conduzindo. Acompanhado por cerca de 60 seguidores, amigos e familiares, Zelaya fez de um espaço, em que deveria guardar silêncio, um enclave protegido a partir do qual dirige incitamentos aos hondurenhos que o apóiam e provações aos adversários que o afastaram do poder em junho.
Não vem ao caso recapitular os muitos complicadores que precederam o golpe hondurenho, nem os atos de repudio àquele incidente, ocorridos tanto no âmbito da OEA quanto da ONU.
Enquanto cidadão de Honduras e presidente deposto, Zelaya tem todo o direito de esforçar-se para retomar o governo. Mas não pode fazê-lo usando como base algum país vizinho ou, pior ainda, a embaixada do Brasil.
Tegucigalpa, a capital hondurenha, acha-se relativamente distante das fronteiras do país. O fato de que o presidente deposto tenha conseguido chegar lá, acompanhado de algumas dezenas de seguidores, sem sofrer constrangimento, indica que tem apoio de uma parte de seus concidadãos e, também, que o país está profundamente dividido em face da interrupção de seu mandato.
Quando, de volta à capital, ameaçado pelos partidários do governo golpista, entrou na Embaixada do Brasil, protegida por um único vigilante contratado, e ali solicitou hospedagem, a diplomacia brasileira, fiel aos princípios humanitários, não tinha como negar acolhida àqueles cidadãos cuja liberdade e integridade física corria evidente perigo.
O inadmissível é que o presidente deposto, uma vez recebido pelo Brasil, use as acomodações a ele concedidas como se fossem seu escritório. Coerente com a postura brasileira de condenação aos golpes e aos golpistas, nosso governo pode e deve desenvolver, no plano internacional, iniciativas para restabelecer a ordem jurídica em Honduras.
Lastimável é que, em paralelo, não tenha ainda despachado para aquele país um diplomata do mais alto nível e sólida experiência, para lidar com um episódio insólito. Os desdobramentos deste, como estamos vendo, ameaçam inclusive a integridade física dos funcionários e hospedes de uma embaixada que, concretamente, não temos como proteger.
(*) Deputado federal, membro da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, ex-líder de bancada e ex-presidente do Diretório Estadual do PSDB/SP.
24 de set. de 2009
Crise em Honduras
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