22 de dez. de 2009

Entrevista/ Mendes Thame

Humanidade pode pagar caro se não intensificar combate ao aquecimento global


Um dos principais especialistas em meio ambiente no Congresso, o deputado Antonio Carlos Mendes Thame (SP) reforça o alerta: há cada vez mais a necessidade de um esforço conjunto global para evitar que a superfície da Terra tenha a sua temperatura elevada em mais de dois graus. Se isso não ocorrer, a humanidade enfrentará mudanças radicais que dificultarão as condições de vida no planeta.

Dilma e o fiasco - Ao analisar o fiasco da COP 15, o tucano condenou a "ladainha" repetida pelo presidente Lula - o de querer culpar unicamente os países desenvolvidos pelo aquecimento global, sem se dar conta de que todos devem fazer sua parte. O parlamentar também criticou a pífia participação da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) no encontro de Copenhague, onde o tucano pôde perceber ao vivo o mau desempenho da petista à frente da delegação brasileira.

Nesta entrevista exclusiva ao Diário Tucano/Rádio Tucana, Mendes Thame alerta ainda que a Terra está "no limiar de uma tragédia". Exatamente por isso, o tucano acredita que a humanidade não ficará parada esperando que as soluções nasçam "por geração espontânea", apesar do fracasso da conferência do clima.

Qual o preço que a humanidade pode pagar pelos fracos resultados da COP 15, em especial pela falta de um amplo acordo mundial com compromissos e metas, com valor legal, visando a redução da emissão de gases do efeito estufa?
A única forma forma de combater um problema global é com decisões globais, ou seja, com todos os países assumindo metas de redução de gases do efeito estufa. Os países mais ricos e industrializados podem assumir metas maiores e as nações emergentes, metas menores, porque historicamente aqueles em desenvolvimento são menos responsáveis pelas emissões de CO2. Há clara necessidade de um esforço conjunto global para evitar que a superfície da Terra tenha a sua temperatura elevada em mais de dois graus. Se não conseguirmos fazer isso, os prejuízos podem ser imensos e impagáveis.

Quais seriam esses prejuízos?
Acima desse patamar, os cientistas são unânimes ao afirmar que poderemos romper o chamado 'limite de resiliência', ou seja, o ponto a partir do qual a natureza e os ecossistemas não se regeneram automaticamente quando há algo que possa abalar sua estrutura. Portanto, podemos sofrer uma mudança radical nas condições de vida na superfície do planeta, e isso dificultará sem duvida nenhuma a sobrevivência de grande parte da raça humana.

Em seu discurso na conferência, o presidente Lula usou expressões como “a hora de agir é esta”. No entanto, o próprio Brasil não anunciou metas obrigatórias de redução na emissão de gases do efeito estufa. Isso não é contraditório?
A ladainha é a mesma dos tempos passados: querer colocar a culpa toda nos países industrializados, olhando para o retrovisor, mas sem ver o presente. Em 1997, quando foi assinado o Protocolo de Kyoto, os países em desenvolvimento respondiam por 30% das emissões de gás carbônico. Hoje, respondem por mais de 50%. Portanto, ignorar o presente e se preocupar apenas com um acerto de contas com o passado é algo que não será engolido. O presidente Lula foi ao plenário da COP 15 e disse: 'Nos últimos 100 anos, nós, os países em desenvolvimento, não conseguimos crescer. E agora que ameaçamos crescer vão pedir que façamos um sacrifício? Isso não é justo. Nós não faremos esse sacrifício'.

Qual a consequência dessa postura do presidente?
Se cada um não fizer sua parte, não teremos êxito, e o malefício é para a humanidade como um todo. Estamos no limiar de uma tragédia. Cada ano de atraso torna o preço do atual arranjo mais caro. Deixar uma decisão de Copenhague para uma próxima reunião em 2010, no México, representa um custo muito alto. De qualquer forma, acreditamos que a humanidade não ficará toda parada esperando que as soluções nasçam por geração espontânea.

Um dos destaques negativos da COP 15 foi a ministra Dilma Rousseff, que cometeu uma gafe ao classificar o meio ambiente como ameaça ao desenvolvimento sustentável. Esse é o preço a ser pago por alguém que quer passar a imagem de entender sobre meio ambiente sem ter domínio sobre o assunto?
A ministra passou despercebida. Na verdade, ela foi solenemente ignorada. Só apareceu porque cometeu essa gafe ao afirmar que o meio ambiente é uma ameaça ao desenvolvimento sustentável. Claro que esqueceu um 'não' e acabou falando no sentido diametralmente oposto. Mas, de resto, não dá nem pra analisar a performance dela. Dilma não levou proposta, não discutiu ou propôs nenhuma delas. Enfim, a ministra passou marginalizada do centro de decisões.

Passado o vexame COP 15, há alguma perspectiva da retomada de um diálogo multilateral sobre o aquecimento global e de se sair um verdadeiro acordo com metas obrigatórias?
Vamos partir de uma linha geral de raciocínio: a humanidade não vai ficar anestesiada vendo as coisas piorando cada vez mais. O que vai ocorrer? São duas hipóteses: uma é a reformulação do processo de decisão nas Nações Unidas. Não dá para continuar que elas sejam adotadas por consenso. Deve ser elaborada uma nova sistemática para a tomada de decisões compulsórias a todos os países. Da forma como está, não dá para avançar. A segunda hipótese é que haja um atropelamento pelos países sem diminuir a importância das Nações Unidas, assim como hoje há nações que não estão fazendo nada sendo atropelados por estados.

Já existem exemplos nesse sentido?
A Califórnia tem normas muito rigorosas de redução de gases do efeito estufa. O próprio estado de São Paulo atropela o governo federal. Enquanto o Planalto define metas voluntárias com base em projeção daquilo que vai crescer, São Paulo votou normas consistentes, com redução absoluta de 20% até 2020 em cima das emissões absolutas relacionadas ao ano de 2005. E isso está definido em lei. Só isso resolve o problema? Não, porque problemas globais são resolvidos com soluções globais. Mas as decisões de alguns países podem criar uma situação insuportável que obrigue mudanças nas demais nações que hoje só pensam na questão econômica, ignorando os malefícios ao meio ambiente e agindo sem nenhuma solidariedade interplanetária. (Reportagem: Marcos Côrtes/ Foto: Du Lacerda)

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