*Deputado Sílvio Torres (PSDB-SP), presidente da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados
Quando o presidente Lula assinou, em 2007, caderno de encargos que permitiu à CBF apresentar a candidatura do Brasil a sede da Copa de 2014, o Estado brasileiro concordou com as exigências feitas pela Fifa. Entre essas, garantir isenção tributária, de taxas e de impostos alfandegários, facilitação imigratória e direitos comerciais de exploração e proteção.No nascedouro da candidatura, um discurso, recitado pelo presidente da CBF e ecoado pelo presidente Lula, assegurava que as obras de construção ou de reforma dos estádios seriam bancadas pela iniciativa privada. Que, além disso, poderia ser parceria em obras de infraestrutura. Discurso semelhante ao do presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, formalizado após o Rio conquistar o direito de realizar o Pan de 2007. Que, como a Copa de 2014, não dependeriam de aportes de verba pública.
Essa é uma história conhecida. Os Jogos do Rio custariam a módica quantia de R$ 400 milhões. A iniciativa privada bancaria as despesas. A sociedade herdaria um excepcional legado. Promessas vãs. O evento custou mais de R$ 4 bilhões. Os empresários do setor privado não meteram a mão no bolso. As contas foram pagas pelos governos federal, estadual e municipal. Ou seja, pela sociedade. E o legado do Pan é uma peça de ficção. Dos pontos de vista social e esportivo.
Durante considerável período, cultivou-se a máxima de que a história só se repete como farsa. Não há muito, o presidente da CBF declarou que o governo terá que investir nas obras dos estádios. O presidente da CBF deu seu recado. Comunicou ao presidente da República que os gastos com o Mundial do Brasil serão suportados pelo governo. Porque sabe que os investidores privados não estão dispostos a arcar com um investimento bilionário de retorno duvidoso.
Escolhida sede da Copa de 2006, a Alemanha investiu na organização do evento desde 2000. A partir daquele ano, destinou 3,7 bilhões de euros para construção e renovação de ruas e estradas. Já o governo brasileiro não oficializou, até hoje, um comitê interministerial para gerenciar a organização do evento; não informa quanto gastará com a organização; e, para agravar a situação, o Orçamento de 2010, enviado recentemente ao Congresso, não dispõe de rubrica referente à Copa.
A despeito de o governo federal não ter dado, ainda, publicidade sobre os gastos que realizará com a Copa de 2014, o BNDES já está de plantão para emprestar dinheiro público. Tendo retirado do forno, um mês depois de o presidente da CBF ter comunicado ao Palácio do Planalto que se não fosse tomada essa providência seria complexo realizar o Mundial, um generoso bolo, de R$ 3,6 bilhões, para emprestar a governos estaduais e municipais para construção e reforma de estádios.
A benevolente decisão do governo, que fere de morte a pregação de que utilizaria o orçamento da União em obras em aeroportos, transporte e segurança pública, estipulou, para estados e municípios, cotas de R$ 400 milhões por obra. Apesar da reviravolta do governo em matéria de comprometimento financeiro com a Copa, entre o dia de hoje e o início da Copa das Confederações, em 2013, dispõe o Brasil de menos de quatro anos para realizar a quase totalidade das obras indispensáveis para o Mundial. Obras estimadas em mais de R$ 100 bilhões, a preços de primeiro de junho, segundo estimativa do Sindicato da Arquitetura e Engenharia (Sinaenco). Montante a ser gasto em mobilidade urbana, hospitalidade, segurança pública, energia, transportes, infraestrutura aeroportuária, acessibilidade, saneamento.
Para um país como o Brasil, que convive com gargalos e estrangulamentos bilionários em matéria de infraestrutura e logística, constitui combinação explosiva a resistência do governo federal a dar publicidade sobre quanto custará a Copa; a submissão em curto prazo ao comunicado do presidente da CBF de que dinheiro público é imprescindível para as obras dos estádios; e a reconhecida falta de capacidade de endividamento por parte das administrações estaduais e municipais.
Dessa combinação de incompatíveis elementos químicos, é previsível uma única reação. Em tudo semelhante à que ocorreu quando se constatou que o setor privado não bancaria a organização do Pan do Rio. Ao tomar posse, em janeiro de 2011, o novo presidente da República herdará mais um compromisso do governo Lula. Que poderá obrigá-lo a abrir as torneiras do cofre público para bancar a Copa. O tamanho da conta não sabemos. Mas é fundamental que, desde já, a sociedade brasileira se mobilize para evitar um novo festival de gastos públicos suspeitos ou desnecessários.
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