2 de out. de 2009

Artigo

O novo endereço de Zelaya: Calle República Del Brasil, 2301

Os ingredientes rocambolescos que fermentam o retorno de Manuel Zelaya a Honduras serviriam de roteiro para um filme de enredo e personagens de qualidade bastante duvidosa. A propósito, já foi dito que a região da América Central e Caribe sempre foi mais conhecida pela luminosidade de suas praias do que pelas suas idéias.

O mais inusitado nesse episódio que ganhou as manchetes dos grandes veículos de comunicação no mundo inteiro e motivou reuniões de emergência e debates acalorados na OEA e na ONU foi, sem dúvida, a participação do governo brasileiro. A nossa tradição diplomática de mediação e equidistância dos conflitos externos foi rompida pelo presidente Lula sem a menor cerimônia, numa sequência de gestos e atitudes no mínimo contraditórias.

A decisão de acolher o presidente deposto na embaixada do Brasil na capital hondurenha, numa operação clandestina de retorno ao país, certamente será objeto de análise no futuro de muitos estudiosos da respeitada diplomacia brasileira. A “porta larga” que se abriu num passe de mágica para Zelaya vai obrigar o Itamaraty, numa próxima gestão, a um profundo reexame de sua atuação, longe do engajamento partidário de uma política externa ditada por preferências e visões pessoais.

Conforme destaquei na presença do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, em audiência na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, inúmeros especialistas em direito internacional e constitucional questionam a forma como o Brasil vem conduzindo a questão da permanência de Manuel Zelaya na embaixada brasileira em Tegucigalpa.

Não é crível que o governo brasileiro tenha sido consultado sobre a possibilidade de ceder uma aeronave da Força Aérea Brasileira para transportar o presidente “deposto” e tenha simplesmente deixado de monitorar o desenrolar dos fatos que resultaram na chegada triunfal à Calle República Del Brasil, nº 2301.

Sem definir o status do “hóspede”, enveredando por contorcionismos retóricos para fugir à responsabilidade e em flagrante afronta ao direito internacional, o governo do presidente Lula permitiu que a sede de nossa representação diplomática em Honduras fosse transformada num misto de cortiço e comitê político, de onde emanavam diretrizes para incitar a população local.

Nesse contexto, ficou insustentável o Brasil defender para si o papel de mediador do conflito, agravado ainda pelas críticas do presidente Lula dirigidas ao presidente em exercício de Honduras, Roberto Micheletti, classificando-o de "golpista".

Nas últimas horas foi amplamente noticiado um estudo da lavra do advogado paulista Lionel Zaclis que esmiúça todo o processo de deposição do presidente hondurenho. Ao longo de exaustiva análise, o mencionado especialista, com base na Carta Magna daquele país, conclui de forma irrefutável que não houve golpe de Estado.

A tentativa de Zelaya de permanecer no poder, conforme demonstra Lionel Zactis, feriu cláusula pétrea da Constituição de Honduras e ensejou medidas judiciais perfeitamente cabíveis. A ótica bolivariana do coronel Hugo Chávez foi rechaçada naquela república de tradição caudilhista.

A cada momento se consolida a falta de unanimidade na sucessão de questionamentos sobre a ação do Brasil em Honduras. O alinhamento automático à Zelaya colocou por terra a postura pragmática e de equilíbrio da diplomacia de Rio Branco, marca de uma política externa reconhecida nos quatros cantos do planeta.

O “morador” do nº 2301 da Calle República Del Brasil não é bom inquilino, muito menos uma boa companhia. É chegada a hora de selecionarmos melhor nossos parceiros e definir em novas bases uma política externa sem viés ideológico e partidário.

(*) Alvaro Dias é o 1º vice-líder do PSDB no Senado

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