4 de mar. de 2010

Artigo

O Tratado de Itaipu e o aviltamento do Brasil diante do Paraguai

Alfredo Kaefer (*)

Analiso com extrema preocupação a propostra de alteração do Tratado de Itaipu atualmente em discussão pela representação brasileira no Parlamento do Mercosul e pelo Congresso Nacional. É oportuno lembrar que o tratado, firmado em 1973, prevê que 50% da energia produzida pertencem ao Brasil e a outra metade, ao Paraguai. A energia não utilizada deve ser vendida ao parceiro a preço de custo até 2023. Como o Paraguai usa apenas cerca de 5% dessa energia, o restante é vendido ao Brasil a preço de custo, a título de compensação pela construção da usina, custeada exclusivamente pelo Brasil.

Antes de enfocar especificamente as questões pontuais da proposta, é oportuno informar que sou um deputado federal oriundo do Paraná e, mais especificamentre, da região Oeste, nas proximidades da fronteira com o Paraguai.

Digo isso para enfatizar que conheço bem a realidade da fronteira, por onde passam todos os dias os carros roubados no Brasil e por onde entram drogas, armas e munições que abastecem o crime organizado nas periferias das grandes cidades brasileiras. É dentro desse contexto – das relações bi-laterais entre os dois países e dos compromissos comuns que devemos ter – é que pretendo me posicionar.

Mas primeiro vamos à questão do mérito da alteração do Tratato. Não vejo nenhuma justificativa plausível para elevação do valor pago pela cota de energia paraguaia, uma vez que o acordo parece-me ter sido bem construido e de comum acordo entre as partes. E aqui abro parênteses para lembrar que, no início desse debate, no ano passado o presidente Luis Inácio Lula da Silva rebateu, de forma peremptória, qualquer possibilidade de revisão do acordo que envolvesse reajuste nos valores pagos ao Paraguai. Essa posição fo presidente foi fartamente divulgada pela imprensa. Pois bem. O que mudou? Que tipo de pressão houve por parte do Paraguai para que o Brasil amplie o valor de U$ 120 milhões de dólares para U$ 360 milhões de dólares? Esse valor é três vezes mais do que pagamos atualmente e representa R$ 660 milhões de reais.

Diante disso, é pertinente fazer algumas perguntas. A primeira: Qual é a justificativa técnica para esse reajuste? A segunda: Em que base o governo brasileiro se apoia para transferir ao Paraguai U$ 240 milhões de dólares a mais anualmente?

A mensagem enviada ao Congresso informa - e o ministro Celso Amorin confirmou -, que esse ‘custo adicional’ será arcado com recursos do Tesouro Nacional, “para evitar aumentos na tarifa de energia paga pelos consumidores brasileiros”. Entretanto, não é demais lembrar que estamos falando de dinheiro do contribuinte brasileiro. Esse é meu questionamento quanto ao mérito da alteração do tratado, que na minha visão não se justifica e não se sustenta.

Mais grave do que a alteração do acordo (no meu entendimento, sem base técnica e legal), é a sua fragilidade do ponto de vista das Relações Exteriores. Afinal, quais são as contrapartidas exigidas pelo governo brasileiro? E quais são as contrapartidas oferecidas pelo Paraguai?

Em primeiro lugar, todos sabemos que o Paraguai é o único país da América Latina onde os carros roubados do Brasil são legalizados sem dificuldade. (houve até um episódio de repercussão nacional, quando um presidente paraguaio foi flagrado utilizando um carro furtado no Brasil). Isso é vergonhoso. Mas é vergonhoso para nós brasileiros e para o governo brasileiro que se deixa submeter a esse vilipêndio.

O compromisso do Paraguai de proibir com rigor a legalização dos carros roubados no Brasil deveria ser uma contrapartida sine qua non para alteração de qualquer acordo. E não apenas isso, mas o compromisso das autoridades paraguaias de devolverem imediatamente todos os veículos roubados e apreendidos no país vizinho.

Em segundo lugar (mas talvez esta seja a questão mais importante) vem o problema da segurança na fronteira. Não passa um dia sequer sem que as forças policiais da Região Oeste não façam apreensão de drogas e armas. E são cada vez mais comuns as grandes apreensões; grandes carregamentos de maconha, cocaína, armas e munições. São constantes as apreensões de carretas com toneladas de drogas. Ora, é evidente que não há nenhum esforço por parte do governo paraguaio em fiscalizar a fronteira e impedir esse contrabando.

Fiscalizar a fronteira deveria ser outra contrapartida do governo paraguaio como compensação por esse acordo. Com isso, teríamos menos drogas e armas alimentando o crime organizado no Brasil e, como consequência, menores índices de criminalidade.

O terceiro ponto diz respeito às famílias brasileiras que compraram propriedades no país vizinho e implantaram lavouras com elevado índice de produtividade. Pois agora essas famílias se veem ameaçadas de perderem suas terras para os campesinos, estimulados pelo governo do presidente Lugo, que claramente adotou uma linha ideológica que afronta o direito dos imigrantes brasileiros. Portanto, sabendo que há brasileiros sendo ameaçados em território paraguaio, eu pergunto: Qual é a garantia que o governo paraguaio dará aos brasileiros que, de forma legitima, se instalaram em terras paraguaias para produzir? Essa garantia deve ser outra contrapartida à esse acordo.

Sem essas contrapartidas, absolutamente necessárias e legítimas, não vejo como apoiar uma proposta que irá transferir U$ 240 milhões de dólares do Tesouro Brasileiro para o Tesouro do Paraguai.

(*) Alfredo Kaefer é deputado federal pelo PSDB do Paraná. (Foto: Eduardo Lacerda)

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