24 de nov. de 2009

Problemas sociais

Trânsito e crack, a naturalização da morte

Bonifácio de Andrada (*)

O Brasil enfrenta dois problemas graves de saúde pública que estão se tornando crônicos: o caótico estado do trânsito no país e a rápida disseminação do crack entre todas as classes sociais e faixas etárias. A junção de trânsito e drogas não é gratuita, e não só por um problema estar presente no outro.

O que ocorre nos últimos anos em torno do trânsito é paradigmático, pois os acidentes são “de trânsito” e as mortes, milhares a cada ano, são “mortes do trânsito”. Não têm donos, só vítimas. Os que matam, e os que morrem, nas ruas e estradas do país têm entre 18 e 25 anos. Os custos humanos e materiais sobem a mais de seis bilhões de reais e a milhares de famílias infelizes e amarguradas.

Esta naturalização das mortes, por parte da sociedade e de suas representações, nos impede de enfrentar o problema diretamente devido à reação social. Vide a Lei do Fumo, em São Paulo e em outras capitais, ou a Lei do Bafômetro etc. Motoristas e pedestres, é sempre bom lembrar, não morrem em guerra, epidemia ou tsunami. São vítimas de causas que podem ser evitadas.

Todas as drogas são deploráveis, mas o crack parece ser mais deplorável devido a uma pretensa democratização que promove, pois invade as famílias e vicia dos pais aos filhos, dos miseráveis aos ricos. Esta capacidade de se instalar, e destruir, aliado a outros sinais sócio-econômicos, mostram que a capacidade de sedução do crack, e sua facilidade em se espalhar, fazem desta droga uma das mais letais. E não só para os seus usuários.

Relatório da Polícia Rodoviária Federal sobre exploração sexual de crianças nas estradas brasileiras mostra que pontos de prostituição estão sendo invadidos por crianças. Elas buscam as estradas por ficarem próximas de pontos de venda de crack. Assim, meninos e meninas passam a noite fazendo programas, e indo dos veículos aos pontos de venda da droga. Basta dois reais para o usuário adquirir uma pedra de crack, baixo valor que estimula usuários de cocaína a promoverem a troca de aditivo químico.

Trata-se de caso emblemático revelado pela Polícia Rodoviária, pois demonstra a proximidade de três temas sensíveis: exploração sexual de crianças, crime hediondo; tráfico de drogas, crime inafiançável, e perigosa proximidade entre malha viária do País e droga. As rodovias são as veias que irrigam o Brasil, que integram o Norte ao Sul, o Centro-Oeste ao Litoral.

Pois bem, relatos da mídia nos trazem a crônica de horrores das cidades, sejam burgos ou metrópoles. Em todas se institucionaliza as cracolândias, locais de livre uso e venda do crack. É o vício em local público e conhecido. Pesquisadores e clínicos concordam com os perigos do crack para a sociedade. E a Polícia Federal prova que esta preocupação tem motivo: em 2005 foram apreendidos 140 quilos da droga; em 2007, meia tonelada!

Velocidade que também se faz presente nas clínicas para tratamento de dependentes químicos. Nas clínicas particulares, um terço dos dependentes é viciado em crack. O Nepa, instituto da Uerj no Rio de Janeiro que atende à população de baixa renda, constata que em 2005 menos de 14% dos pacientes eram viciados em crack, mas em 2008 eles chegavam a 57%. Em Minas Gerais, o Centro Mineiro de Toxicomania diz que dependentes de crack já superam os viciados em álcool. Estas instituições, mais o Ministério da Saúde, confirmam: a maioria dos usuários em tratamento tem até 22 anos.

Hoje, sabemos muito sobre estes dois problemas de saúde pública. No caso das drogas, a tática espalhafatosa de “Guerra às Drogas” não obteve sucesso, pois observamos, após anos de repressão, maior produção, distribuição e consumo. A situação também não se alterou devido às leis draconianas e midiáticas.

A Comissão Latino-Americana para Drogas e Democracia, com a honrosa participação do ex-presidente Fernando H. Cardoso, promove este debate juntamente com outros ex-mandatários de nosso continente. O México, o Equador, a Bolívia, a Colômbia e, mais recentemente, o Uruguai e a Argentina, analisam como substituir as políticas repressivas por outra forma de enfrentamento social às drogas.

Quanto ao trânsito, vivemos um ciclo perverso; perverso porque demonstra redução de mortes durante um período, antes que se volte à habitual banalização dos acidentes “de trânsito”. Se houve redução antes, era possível mantê-la depois.

(*) Bonifácio de Andrada é deputado federal pelo PSDB-MG, professor de Direito Constitucional e integrante do Parlamento Latino-Americano. (Foto: Du Lacerda)

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