12 de mai. de 2010

Crianças desaparecidas

O reencontro de alguns é a esperança de todos

(*) Andreia Zito

“Mesmo que eu morresse, meu espírito iria continuar te procurando”, disse Jane Terezinha ao abraçar a filha Daiane, num reencontro emocionado na cidade de Porto Alegre (RS), depois de seis anos do desaparecimento. Dias antes, Eliane Santos também reencontrou seu filho, José Sérgio, na cidade de Campos (RJ), depois de dois anos de procura. Uma vitória de duas famílias, no meio de milhares de outras que continuam em busca de seus filhos desaparecidos em todo o país.

O número exato de pessoas desaparecidas no Brasil ninguém sabe. De acordo com as entidades que lidam com o tema, só na cidade de São Paulo são 40 mil por ano. Quantos continuam desaparecidos, ninguém tem ideia. O Estado do Rio de Janeiro ocupa o triste lugar de destaque no ranking de menores desaparecidos. Segundo o SOS Criança, nos últimos 14 anos, 458 menores desapareceram e nunca foram encontrados.

Além do sofrimento de quem tem um filho subtraído, em todos esses números existe um ponto cruel em comum: a ausência do poder público. No país em que se divulgam dados sobre recorde em investimentos em programas sociais, faltam políticas públicas básicas para apoio a estas famílias além de ações efetivas dos órgãos de segurança visando a prevenção de desaparecimento de seres humanos. Com isso, milhares de mães que necessitam do apoio do Estado perdem suas crianças para fantasmas como a exploração sexual, pedofilia, tráfico de órgãos, tráfico de seres humanos, etc.

Em pleno século XXI é triste constatar que nossas crianças se tornam presas fáceis de bandidos ao transitarem sozinhas pelas ruas, em atividades cotidianas como brincar, ir à escola desacompanhadas ou à mercearia da vizinhança. Desprotegidas, suas famílias ainda carregam a culpa imposta pelo poder público, que repassa para elas a responsabilidade pela perda de seus filhos.

Para o Ministério da Justiça, o conflito familiar é a principal causa de desaparecimento de crianças e adolescentes no Brasil. Incompetentes para prevenir, diagnosticar e investigar o paradeiro dos menores, nossas autoridades preferem justificar os casos como simples fuga por conflitos familiares e ponto final. Com isso, milhares de casos entram na fila dos sem respostas.

Nesses sete meses de trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados, que apura o desaparecimento de crianças no Brasil, uma coisa ficou clara para todos nós: o desaparecimento de crianças e de adolescentes precisa ser tratado de forma diferenciada do desaparecimento de adultos. O adolescente já tem o poder de escolha, mas a criança não. Ela é sempre arrancada, enganada, tolhida do direito de viver com sua família.

Qualificar o seqüestro de crianças e adolescentes como crime hediondo pode ser o primeiro passo para a criação de delegacias especializadas, dotadas de pessoal capacitado e treinado para lidar com as diversas vertentes que o desaparecimento de crianças tem no Brasil. Infelizmente, é preciso admitir que estamos entre os países onde ainda existe um perverso mercado de venda de meninos e meninas, sim. Quantas crianças foram vendidas para adoções ilegais no exterior? Quantas estão em poder de pedófilos? Quantas viraram escravas sexuais? O governo brasileiro não sabe, mas tem obrigação de responder a estas questões, e principalmente a obrigação de combater esses crimes.

Mesmo sendo poucos, é com grande alegria que nós da CPI assistimos ao retorno de algumas crianças aos seus lares, depois de anos de sumiço. Acreditamos que nosso trabalho está tornando pública uma mazela que até então estava restrita às famílias que de forma solitária, sem nenhum apoio do poder público, continuam em busca de seus filhos. Conseguimos dar visibilidade a esta dor e, com isso, ter o apoio da mídia e fazer com que a sociedade reaja com a coragem necessária para denunciar, exigir e lutar para pôr um ponto final nessas perdas.

Que a alegria dos reencontros de Daiane e José Sérgio seja apenas o início de muitos outros que se seguirão. Que seja o começo de muitos e muitos recomeços.

(*) Andreia Zito é deputada federal (PSDB-RJ) e relatora da CPI das Crianças Desaparecidas na Câmara dos Deputados. Artigo publicado no jornal "Extra". (Foto: Eduardo Lacerda)

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