O Congresso e o acordo de Itaipu
Gustavo Fruet (*)
O Congresso terá em breve a missão de analisar mais um assunto polêmico: o acordo entre Brasil e Paraguai em torno da energia de Itaipu. O Tratado de Itaipu tem sido alvo de críticas ao longo dos anos. Algumas podem ser pertinentes, mas há um fato: goste-se ou não, o tratado existe, e resultou de anos de discussão e negociações. Qualquer decisão que altere seus termos deve ser exposta e discutida com clareza.
O que o governo faz — ao negociar com o Paraguai uma espécie de concessão para aumentar o valor pago pela energia e dar ao país vizinho a liberdade de comercializá-la no mercado livre — é justamente o contrário. Atendendo a uma conveniência política, suprime a transparência essencial a esse tipo de negociação e evita uma discussão aprofundada sobre o tema.
Do ponto de vista geopolítico, a revisão do Tratado de Itaipu é um tema sobre o qual se pode admitir discussão. Até porque os países vivem nova realidade institucional, amparados na democracia. Tampouco há oposição a que o governo brasileiro sustente sua postura em relação ao Paraguai numa visão solidária, inclusive financiando investimentos no país vizinho, cujo desenvolvimento interessa a todos.
Mas há formas de fazê-lo sem ferir o tratado que, ao contrário do que sustenta a retórica do atual presidente paraguaio, trouxe muitos benefícios ao Paraguai. Alçado à condição de sócio de Itaipu por uma fórmula que atribuiu ao Brasil os riscos e custos da usina, o Paraguai já recebeu (até março de 2009) US$ 4,9 bilhões a título de royalties, rendimentos de capital e remuneração por energia cedida. Após o ano 2023, será dono de 50% de Itaipu.
O orçamento de 2009 de Itaipu estima que o Paraguai cederá sua energia ao Brasil por cerca de US$ 44/MWh (ou R$ 80/MWh), compatível com a energia das duas hidrelétricas do complexo do Rio Madeira, negociadas em leilões por R$ 71,40/MWh (Jirau) e R$ 78,87/MWh (Santo Antonio). A energia, portanto, não é barata.
O Brasil avalizou e subsidiou os juros dos empréstimos à Itaipu Binacional, com ônus ao contribuinte brasileiro. Antes, era apenas um projeto que dependia de um “mercado consumidor regulado brasileiro” — condição indispensável para que o financiamento existisse e a usina se viabilizasse. Agora, com tudo resolvido, a palavra “mercado” é resgatada.
Mas a lógica de Itaipu não é de mercado. É de custo. A viabilização da hidrelétrica foi centrada na definição de uma tarifa para honrar a dívida. Se a tarifa seguisse a lógica de mercado, Itaipu nunca teria sido construída. A soberania que se pleiteia é sobre um recurso (usina hidrelétrica) que não existiria se o Brasil não tivesse aportado o dinheiro e a tecnologia necessários.
Nos últimos anos, o governo brasileiro já havia concordado em fazer ajustes que asseguraram ao Paraguai receita adicional superior a US$ 20 milhões. Não é razoável que, a fim de contribuir para o cumprimento de uma promessa de campanha, o Brasil aceite fazer novas concessões sem a devida discussão e embalado por rótulos — “recuperação da soberania”, “preço justo da energia da Itaipu”, “juros usurários da dívida” — bons para retórica, mas relativos quando a discussão se dá entre países e deve ser objetiva e baseada em fatos.
Quem vai pagar a conta? O valor adicional que será repassado ao Paraguai pela energia de Itaipu sairá de algum lugar — ou do Tesouro Nacional ou do bolso do consumidor final. Com o objetivo de provocar esse debate no Congresso Nacional, apresentei à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados pedido de informações para encaminhamento ao Ministério das Minas e Energia. São cinco questões dirigidas ao governo. Duas tratam do Acordo de Montevidéu, que foi assinado em 2005 e elevou em 27,5% o valor pago ao Paraguai pela cessão de energia ao Brasil.
As demais questões referem-se ao acordo mais recente, assinado em julho pelos presidentes Lula e Lugo. Esse acordo propõe, sem justificativa técnica, um aumento de US$ 240 milhões/ano no repasse ao Paraguai, além de permitir a venda direta do excedente paraguaio no mercado livre brasileiro. Questionamos o governo sobre qual tratamento jurídico será dado às alterações, que repercussão financeira terão e que fonte de recursos será utilizada para esses encargos. Pede-se que o governo explique também como será executada a linha de transmissão de 500 kV prevista no mesmo acordo, ligando Itaipu à capital paraguaia.
Esse assunto deveria ter sido submetido a discussão prévia no Brasil. Mas o governo age como se Itaipu fosse obra e propriedade sua, e não um ativo do Estado brasileiro. O papel da oposição é evitar que o Congresso aceite ser mero avalista do acordo e dar ao tema a transparência que o governo não deu.
(*) Gustavo Fruet é deputado federal pelo PSDB do Paraná
(Artigo publicado no Correio Braziliense)
31 de ago. de 2009
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