Marco espetaculoso
A reprise de um estilo consagrado desde a primeira gestão do presidente Lula nos autoriza a reafirmar que uma das marcas da administração petista é fantasiar o presente, numa tentativa de recriar a história.
O lançamento do marco regulatório do pré-sal reviveu a apoteose tantas vezes patrocinada pelo governo Federal. A retórica triunfalista ganhou reforço na locução presidencial durante o seu programa de rádio na última manhã do emblemático mês de agosto. Sem qualquer cerimônia, o presidente Lula decretou que aquele dia representava “um novo Dia da Independência para o Brasil”.
A forma espetaculosa como foram apresentadas as propostas para a exploração das reservas de petróleo na camada do pré-sal tenta patentear a descoberta e transformar o atual governo no proprietário de uma conquista que é fruto de pelo menos três décadas de pesquisas.
Essa postura não constitui novidade. Assistimos a repetidas demonstrações de pouco apreço à realidade nas falas do presidente. Sentenciou que o Brasil estava prestes a alcançar a perfeição em matéria de saúde e elevou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ao patamar de revolução gerencial.
É justo relembrar que a Petrobras investiu no fomento à pesquisa mesmo em cenários adversos durante o período autoritário. A despeito do ceticismo do general Ernesto Geisel, a empresa revelou sua independência e visão estratégica ao persistir na concentração dos esforços de pesquisa. Foi essa tenacidade que possibilitou as descobertas atuais.
O açodamento do governo está ligado ao calendário eleitoral. No afã de exibir o pré-sal como vedete da plataforma de campanha, os estrategistas do presidente não hesitaram em transformar a cerimônia no Centro de Convenções de Brasília num portentoso palanque.
Em sã consciência ninguém contesta a importância do pré-sal. O que julgamos inadmissível é a busca insana por dividendos políticos, atropelando a realidade e disseminando estimativas que ainda carecem de estudos mais detalhados. A esse respeito, defendi da tribuna que devemos ser otimistas, mas não podemos ser precipitados nem oportunistas.
O movimento mais questionável dessa trajetória messiânica foi a decisão do governo de enviar os projetos do novo marco regulatório ao Congresso Nacional em regime de urgência. O prazo imposto à Câmara e ao Senado, 45 dias em cada uma das Casas, é um acinte ao Parlamento. A primeira indagação: por que tanta pressa?
A resposta não exige apurado descortino. A motivação de inserir o projeto já aprovado no debate das eleições presidenciais é ostensiva.
Aprovar a toque de caixa significa subtrair do Legislativo sua prerrogativa de debater e oferecer aperfeiçoamento à iniciativa do Executivo, relegando o Parlamento ao papel de mera instância ratificadora. O horizonte temporal de 90 dias é rigorosamente insuficiente para tratar de uma questão tão complexa e que abriga tantos pontos controversos.
Um dos pontos polêmicos da proposta do governo, e sobre o qual assumi posicionamento contrário, diz respeito à criação de uma estatal do petróleo com receita gigantesca. Especialistas advertem para os riscos de aparelhamento da nova empresa, além do esvaziamento da Petrobras.
O novo marco regulatório abandona o modelo de concessões e adota a partilha de produção. Essa mudança, além de abrir mão de um regime que se mostrou amplamente exitoso, exigirá a mobilização de recursos da ordem de US$ 600 bilhões para a exploração das riquezas. O que se suscita desde já: qual será a fonte de recursos tão vultosos?
A urgência da tramitação não se sustenta diante dos desafios que estão postos à efetiva exploração do pré-sal e que demandam debates qualificados com especialistas em rodadas de audiências públicas nas comissões técnicas das Casas. Ao campo das dificuldades logísticas - as plataformas serão instaladas a 300 km da costa -, somam-se os entraves ambientais (mais dióxido de carbono) e tecnológicos (corrosão e capacidade dos equipamentos de perfuração).
Sem aqui esgotar os questionamentos, temos discordâncias que devem ser expostas ao longo das discussões a serem tratavas no Senado, as quais pressupõem tempo e serenidade de todos aqueles parlamentares que desejam oferecer ao País um marco regulatório competente e seguro.
(*) Alvaro Dias é 1º vice-líder do PSDB no Senado
4 de set. de 2009
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Alvaro Dias
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